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Foto do escritorRita Magalhães

2020: O ano de grandes vitórias ou de grandes desgraças

2020 foi, sem sombra de dúvidas, o ano que nos abalou, que nos obrigou a tirar os pés do chão confortável que todos pisávamos e não colocávamos em questão. Digo isto com sinceridade, e não se pode pôr em causa os meus míseros quase 21 anos na terra. Digo isto por essa mesma razão: porque sou jovem, filha, neta, e futuramente mãe (espero).

E, tendo sido o ano que há pouco cessou tão mau quanto a todos nos soube, não vos caia (ou cairia, se não passaram por isso) em más águas quando diziam que 2020, apesar do “mau ano que foi”, foi EXCELENTE? (E reforço as maiúsculas para dar ênfase de corte de respiração – mas já vamos aí).


Para maioria, 2020 é sinónimo de perda, de luta, mágoa, digamos que de quase todos os adjetivos negativos que consigamos encontrar. Maioria da população viveu ansiosa, sentida, preocupada e com muito, muito medo. Deixamos de abraçar, tocar e sentir. Deixamos de estar juntos, perdemos contacto com muitos amigos, sentimo-nos isolados na nossa própria bolha e não havia grande coisa que pudéssemos fazer para contrariar esta corrente. 2020 ensinou-nos, isto para quem não sabia ou não se recordava tão vivamente, que a vida é preciosa, curta, passa num sopro e que nada, repito, nada conseguimos fazer para evitar esse desfecho profano ao qual nascemos condenados. No meio de perdas e muito sofrimento, abrimos os olhos e percebemos, de uma vez por todas, que o materialismo não é sinonimo de riqueza, e que riqueza não é sinonimo de saúde. Batemos de cara no chão quando logo a segunda vítima deste malvado vírus, em Portugal, foi a de Vieira Monteiro, o presidente do Santander.


Sucintamente, aprendemos que, no derradeiro momento do juízo final, pouco importa o que temos na carteira, em casa ou em nosso nome no banco.

No entanto, para outros, mas não suficientes para fazer face à maioria, 2020 é sinonimo de descoberta, realização, sonhos e metas concretizadas. Para esses, 2020 foi a oportunidade chave para se encontrarem, reunirem forças e trabalharem arduamente em sonhos guardados há muito na gaveta. A verdade é que sou solidária com a situação, mesmo. Acho deveras importante que todos tenham aproveitado o tempo, não só de quarentena, na realidade todos os dias de todos os anos para serem felizes e fazerem o que lhes faz feliz. Aqui a questão não é essa. A questão é: Seremos assim tão egoístas para admitir a boca cheia que 2020 foi um ano tão bom para nós quando milhares à nossa volta ainda estão a sarar das feridas que ficaram, e de outras que ainda estão por vir? Creio que, infelizmente, somos.


Aqui lancei a confusão, acredito. E pretendo mesmo fazê-lo. Porque, afinal, o egocentrismo da sociedade atual é, ainda, motivo de discussão pública. Porque será, não é verdade… Não sei dar justificação, e a verdade é que também não há grandes coisas que possa dizer mais sobre este assunto, provavelmente porque, para quem lê, nem deve estar a fazer grande sentido. Mas, vamos lá ver: É importante, sim, concretizarmos os nossos sonhos, sermos felizes. É importante estarmos bem de saúde mental. É excelente chegarmos ao final do ano e conseguir retirar, do meio da confusão toda, umas quantas contas positivas. Agora, o que não é importante é sermos egoístas ao ponto de avançar para esplanada pública e dizer que 2020, “apesar do ano complicado que foi, foi o melhor ano da minha vida”.

O ser humano é um ser social, precisa da sociedade para viver. Num ano em que todos parámos de o fazer, que direito tem um mero individual de subjugar os problemas dos outros só porque o ano dele lhe correu surpreendentemente bem? Não tem. Porque, e méritos à educação que tive, ter olhos somente para o nosso umbigo é feio, é errado. E, colocando por palavras miúdas, o nosso umbigo serve para descermos da altitude das nossas cabeças e percebermos que estamos à altura dos outros, que não somos melhores do que ninguém.


Reforço: o problema aqui não foi o facto de o ano ter corrido bem a certos e determinados indivíduos. Porque, vamos lá a ver, a mim também o correu. Tenho um teto, comida na mesa, trabalho, os meus pais também, conseguimos pagar as contas ao final do mês e acabámos o ano sem ser infetados. De um ponto de vista exterior, sou uma das poucas sortudas no meio da loucura. Mas vou bradar isso para asa pública? Vou espetar na cara do meu vizinho que teve de se mudar porque perdeu o emprego? Ou na enfermeira que trabalha turnos seguidos para conseguir pôr o hospital em funcionamento? Ou na minha colega que perdeu ambos os avós vítimas deste maldito vírus? Não, não vou. E acho que ninguém o devia fazer.

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