Costuma-se dizer que se trata de “uma mulher de armas”, mas, neste caso, é uma mulher de seringa no bolso, estetoscópio ao pescoço e de sorriso entreaberto para o mundo. Rosa Maria tem 80 anos e é médica há mais de 50, tendo sido a primeira covilhanense a formar-se num curso superior, especialmente no de medicina. Com duas especialidades, fisiopatologia e pneumologia, trabalhou de perto no combate à tuberculose e está pronta para, mal “acabe” a pandemia, retornar à prática daquilo que mais gosta, a medicina.
Infância
Tem 80 anos, mas a idade não lhe faz jus. Nascida e criada na Covilhã, fala dos pais com carinho tal denotado em cada palavra. Sobre o pai, recorda-o como “um homem muito determinado” a quem deve a vida – passado, presente e futuro. Sobre a mãe, a saudade sente-a eternamente, de alguém que não quis ver nos filhos espelhado o seu passado. Em relação à infância, “foi uma infância feliz. Tinha uma família muito grande e muito unida – muito diferente do que são hoje as famílias -. Não havia, na altura, televisões, não havia nada que distraísse as pessoas e, por isso, nós normalmente convivíamos muito em família”.
“Devo ter sido a primeira rapariga a sair da Covilhã para tirar um curso superior, ainda para mais de medicina”
Concluído o 7º ano, foi tempo de se candidatar ao ensino superior. Assim, fez o exame de admissão à faculdade de medicina em Coimbra, onde entrou, mas depois acabou por pedir transferência para o Porto, “porque o meu pai vinha em negócios mais vezes ao Porto”. Em conjunto com irmão, que também se tinha candidatado ao mesmo curso, frequentaram medicina no Porto, no São João.
Aqui, contabilizou quase uma década de estudos: seis anos de medicina, um ano de internato geral, um de internato complementar e só depois é que fez a admissão à especialidade. Sobre esta última, guarda uma história que ainda a faz rir até aos dias de hoje: “Quando íamos fazer o teste de admissão, como não ia haver vaga para todos, resolvemos fazer greve ao exame – isto no tempo em que não podíamos fazer greve. No dia seguinte recebemos uma carta a proibir-nos terminantemente de entrar no São João, porque ninguém se atrevia a fazer greve na altura. Depois, as coisas acabaram por ser ultrapassadas e fizemos o exame, e cada um foi para a especialidade que quis e que conseguiu”.
Médica e mulher
Quando confrontada com a pergunta que mais se teme em fazer, se já sentiu discriminação ao longo da carreira por ser mulher, responde muito serenamente – “Nunca me senti constrangida pelo facto de ser médica, pelo facto de ter de encarar determinadas situações. Segui o meu caminho de acordo com aquilo que o meu pai queria que eu fizesse. O meu pai e a minha mãe, que acabou por sofrer as consequências de estar sozinha”.
80 anos que não pesam
É em casa que agora dá as consultas. Agora, agora, não. Desde a pandemia que, por precaução própria, decidiu interromper. Ainda vai dando algumas por telefone ou até videochamada, mas já não recebe no seu escritório pacientes há algum tempo – e está ansiosa para o voltar a fazer. Não só em casa, mas também numa clínica da cidade onde mora.
Jovem, elegante, fresca e pronta para as curvas – Rosa Maria é solteira, tem dois sobrinhos que trata como filhos, vive com a cunhada e criou a sua própria fórmula de felicidade eterna – o amor a si, à vida, aos seus, à sua profissão e ao meio que a envolve. Uma mulher à frente da sua era. Uma mulher revolucionária que inspira todo que passam pelo seu caminho.
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